por Ayana Simões
O futebol está presente na minha vida desde a infância. Não imaginava que um dia se tornasse a pauta do meu trabalho. Da pequena torcedora que acompanhava o pai em jogos no estádio, me tornei jornalista esportiva sempre atenta ao impacto que o esporte tem na vida das pessoas e da sociedade. Aquele clichê é verdade. O esporte transforma vidas! Salva vidas! E o futebol é paixão e entretenimento. Mas não podemos desprezar que os casos de violência assustam e não estão restritos ao comportamento dos torcedores dentro e fora dos estádios.
Uma pesquisa encomendada pelo Instituo Avon em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública indica que existe uma forte relação entre jogos de futebol e violência doméstica contra mulheres. O objetivo do estudo foi analisar a possível correlação entre jogos do Campeonato Brasileiro e a violência doméstica no Brasil. A análise foi feita com base no cruzamento de dados entre os dias de todos os jogos do Campeonato Brasileiro da série A, entre 2015 e 2018, e dados sobre violência doméstica em cinco capitais brasileiras: Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre.
O levantamento indicou que em dias em que um dos times da cidade joga, o número de registros de Boletins de Ocorrência de ameaça contra mulheres aumenta em 23,7% e o número de registros de B.O.s de lesão cor- poral aumenta em 20,8%. Em dias em que a partida desse time acontece na própria cidade, o aumento de registros de lesão corporal é de 25,9%. Nesses registros, de maneira significativa, os autores da violência são companheiros ou ex-companheiros das vítimas.
Essa coluna abre espaço para abordar esse assunto com a responsabilidade necessária para alertar que precisamos estar atentos a esse cenário. A coordenadora de projetos, pesquisa e impacto do Instituto Avon, Beatriz Accioly, concedeu entrevista para o Turbilhão Feminino e revelou como futebol e violência doméstica contra mulher estão correlacionados.
TF- Beatriz, a pesquisa demonstra uma intensa associação entre homens, esportes e violência. Especialmente em dias de jogos do Campeonato Brasileiro. Mas o Instituto destaca que não sugere que o futebol seja a causa da violência contra mulheres. Então o que pode explicar esses dados?
Beatriz Accioly- O que a pesquisa nos ajuda a pensar é que um esporte que envolve paixões também desperta frustrações e conflitos. Estamos ainda muito despreparados coletivamente para lidar com frustrações e conflitos. Na pesquisa inglesa há um dado que mostra que o aumento da violência é maior quando o time perde. O ponto de atenção para olhar enquanto sociedade é o quanto se conversa sobre resolver conflitos, frustrações e fracassos de maneira que não recorra a violência. O futebol não é a causa, mas engatilha comportamentos violentos. A violência que acontece nos dias dos jogos de futebol é um sintoma de uma sociedade muito violenta, pouco democrática e muito insegura para as mulheres e meninas. É preciso ressaltar que esses números são muito subnotificados. Esses são os casos sobre os quais a gente teve ciência. Aqueles que chegaram à delegacia ou alguma autoridade para que fosse feito o registro. Isso porque a maior parte das mulheres que sofrem violência doméstica não busca ajuda.
TF - Em Salvador, mulheres negras são maioria entre as que realizaram boletim de ocorrência após sofrerem ameaça (81,8%) ou agressão física (85%) em dias de jogos. Já mulheres brancas são minoria entre os registros, equivalendo a 6,5% das que relataram terem sido ameaçadas e 5,3% das que sofreram violência física. Qual a sua interpretação sobre esses dados?
Beatriz Accioly - Os números não deixam mentir. O Brasil é um país racista e desigual para população negra. Esses dados mostram que há uma maior dificuldade para que mulheres negras acessem políticas públicas de proteção e acolhimento, conquistando a garantia dos seus direitos.
TF - Diante desse cenário dá para pensar em ações efetivas para combater a violência doméstica contra mulher?
Beatriz Accioly - As soluções tem que ser múltiplas e variadas. Mas é fundamental que as entidades e as organizações que fazem parte do ecossistema do futebol entendam que isso é responsabilidade de todos também. Os clubes, que tem capilaridade de falar com as pessoas, assim como Federações, instituições e imprensa, precisam agir porque fazem parte desse cenário. São organizações que devem ter práticas, políticas, protocolos de acolhimento, proteção e iniciativas cotidianas que atravessem as instituições de maneira transversal e não apenas quando acontece um caso de notoriedade.
TF- O instituto Avon tem uma inciativa de enfrentamento conjunto à violência contra mulheres, dentro e fora de corporações. Gostaria que explicasse o que é a Coalizão Empresarial pelo Fim da Violência Contra Mulheres e Meninas.
Beatriz Accioly - É uma iniciativa que une diversas empresas do Brasil com um compromisso público de olhar para dentro e para fora das organizações. Exercer sua responsabilidade social enquanto parte da sociedade, reunindo esforços e recursos corporativos para gerar impacto social com conscientização e mobilização, diária e constante, para diminuir os índices de violência contra mulheres e meninas. Olhar também pra dentro, com prevenção e cuidado. A Coalizão tem dois anos e esse ano recebemos dois clubes signatários: o São Paulo e o Sport. A gente espera que seja o início de uma movimentação maior. Nossas portas estão abertas para receber os demais clubes. A exemplo do São Paulo, foram implantados protocolos, treinamentos, formações e uma série de iniciativas práticas para pensar o clube como um todo pra responder e resolver essas questões. Pensar no clube como um lugar seguro, democrático e menos nocivo para mulheres e meninas. A gente deseja que essse seja o caminho empreitado por outros clubes e que eles possam dar passos nessa direção.
*O Intituto Avon disponibiliza um número de WhatsApp para atender os casos de violência contra mulher. O atendimento é feito pela assistente virtual Ângela, que já ajudou mais de 6 mil mulheres no enfrentamento da violência. Para informações e ajuda, o número é (11) 94494-2415.
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